domingo, 31 de agosto de 2008

Entrevista com o Prof. Fonseca Neto

A equipe do Libertas entrevistou o Prof. MSc. Fonseca Neto, atual Diretor do CCHL e professor do departamento de Geografia e História. Surpreendentes relatos de uma vida de militância contra a ditadura e uma análise conjuntural do mundo universitário foram os principais resultados deste trabalho.

LIBERTAS: como foi sua trajetória acadêmica e política na UFPI?

FONSECA: Eu ingressei na Universidade como estudante de História em 1975 e de Direito em 1977. Em 74, havia entrado numa autarquia federal chamada Colégio Agrícola de Teresina, que mais tarde foi incorporada à UFPI; tornando-me servidor federal.

Desde abril de setenta e sete, já se falando em distensão da ditadura, houve uma conscientização mais intensa dos estudantes para a luta política e um engajamento maior contra o autoritarismo militar. Este foi o ano em que concorri à minha primeira eleição na universidade e me tornei Secretário Geral do Diretório Setorial do CCHL. Mais tarde, concluída a Licenciatura em História, eu deixaria o quadro do CAT para tornar-me docente da Ufpi, vindo depois para o Departamento de Geografia e História. Foi essa a minha trajetória e militância dos primeiros anos, que, aliás, havia culminado com minha eleição para a primeira presidência do DCE-Livre.

A luta contra a ditadura era em prol de um Estado de Direito, da constitucionalização do país, da retirada do entulho autoritário, pela constituinte e pela anistia; estes eram os objetivos centrais pelos quais se lutava na universidade. O curso de Direito, do qual participei no fim dos anos 1970, começo dos 80, era muito fiscalizado e interpenetrado de policiais; inclusive polícia-política; mas isso não impediu que parte de seus alunos assumisse uma posição central nessa luta. Foi o tempo, por exemplo, que nós recriamos o Centro Acadêmico de Direito, tendo sempre em vista a oposição à ditadura.

Então, eu me insiro nessa peleja dos estudantes, dos professores, por entender que a universidade é um espaço de construção da cidadania, do novo Brasil e das possibilidades intelectuais voltadas para a prática de um país democrático e livre.

LIBERTAS: Quais são as atribuições de um diretor de Unidade de Ensino, a exemplo de um diretor do CCHL?

FONSECA: Suas atribuições são coordenar as políticas de ensino, extensão e pesquisa da Unidade e administrar o cotidiano da vida do Centro. Neste âmbito, o diretor deve ter o poder disciplinar e competência administrativa, além de ser o representante de sua unidade nos colegiados superiores e perante o conjunto da sociedade. Todas estas funções são exercidas na sua plenitude dependendo da postura da Administração Superior. Mas porque estou fazendo este registro?

Bem, o Estatuto da universidade, ao mesmo tempo em que delega esse conjunto de atribuições muito sérias a um diretor de Centro, confere um papel de centralidade muito grande ao reitor. Consideramos isso grave, sobretudo no caso do CCHL, porque não tem um diretor seu, a menos que vire amigo pessoal do reitor, a plena condição para exercer suas atribuições consoante o mandato que possui, isto por falta de recursos financeiros para tanto e porque o reitor centraliza esta execução de forma profundamente autoritária e antidemocrática. Esta é uma das coisas dramáticas que a estrutura da universidade tem e que precisa ser imediatamente transformada.

LIBERTAS: Quais são as dificuldades que tem um diretor de Centro? E, ainda, quais delas são prementes resolver para a melhoria da Universidade?

FONSECA: Bem, as dificuldades decorrem do que eu havia dito respondendo à pergunta anterior: a centralidade enviesada pelo autoritarismo, nas raias do despotismo.. E, no nosso caso, isso está piorado no presente contexto, porque o reitor tem com nosso Centro uma desconfiança absurda que nasce de uma incapacidade dele de compreender o que é o CCHL. Ele entende, de maneira distorcida, que o CCHL é um centro questionador e que a pratica da discussão tem um sentido do não se fazer nada. Quando o Reuni foi colocado, o CCHL foi o único lugar da universidade onde ocorreu um inicio de discussão e nós buscamos o alargamento desta, queríamos tal discussão nos Conselhos da UFPI. Resultado: a reitoria desconsiderou esta posição de maneira grosseira perante o Conselho Universitário. E isso foi apenas um exemplo da postura que ela tem assumido, uma postura segundo a qual discutir é uma verdadeira perda de tempo.

Ao mesmo tempo, ele implementa políticas passando por cima da Diretoria, tentando conquistar ali uma base de apoio a partir de uma postura meramente cambista. Ora, tudo que a Reitoria parece querer, em particular o reitor, é que o diretor tivesse com ele uma relação de maior pessoalidade, para que conversássemos, o Fonseca e o Junior, e não o diretor do CCHL e o reitor da universidade. Por que isso? Porque um diretor de Centro é eleito e, por essa razão, não é um assessor do reitor no sentido dos cargos de confiança.

Existe, a partir disto, uma incompreensão de base autoritária por parte da reitoria, sendo que isso agora está se agravando, porque a universidade voltou a ser financiada. O reitor está com as mãos cheias de verbas! Ele ultrapassou os limites da equidade administrativa: sonegou ao CCHL por três anos coisas mínimas, para, na véspera das eleições, encaminhar uma reforma há muito tempo solicitada por professores, alunos e pela direção do Centro. Lutamos por muitos anos, durante a ditadura, para conquistar nossos direitos e vemos hoje ressurgir na universidade um clientelismo tosco, a reoligarquização de nossos espaços de convivência e decisão.

O CCHL concentra o que há de melhor em pensadores sociais em nosso meio. O que precisamos é construir um protagonismo de intercâmbios ainda mais intensos com a sociedade complexa, o que é um desafio para a universidade. É que ficamos ensimesmados e não conseguimos colocar de maneira satisfatória a universidade nas ruas, que é o lugar dela. Hoje, a cidade está cheia de cursos, está cheia de faculdades, já tem outra universidade pública importante que é a UESPI e sobre a Federal se exige novas e melhores respostas sobre este contexto. A questão da pós-graduação é fundamental, novos programas devem ser criados e este é um desafio novo da UFPI; mas, junto a ele, vem o desafio grande de não fragilizar a graduação. Na área de Direito, por exemplo, não se pode esquecer as possibilidades da extensão e pesquisa jurídica. Estes são espaços disponíveis na Universidade Federal do Piauí que nenhuma faculdade particular supera. As faculdades particulares apresentam, em geral, melhores condições físicas e, às vezes, melhores acervos de biblioteca, mas nenhuma tem os professores que nós temos. Dentro da Universidade Federal estão cinco dos sete únicos doutores em direito do Piauí. Qual o diferencial do curso de direito da UFPI? A possibilidade para que os professores façam pesquisa ou extensão. Sem falar que o CCHL é um campo de experiências, cruzamento e interacionismos culturais muito intensos e sólidos que o curso de Direito precisa aproveitar.

LIBERTAS: Como foi a postura do movimento estudantil desde a década de 1970? E quais as perspectivas sobre os estudantes atuais?

FONSECA: Ainda na década de 1980, houve lutas pela democratização da universidade, por concursos para professores, concursos de servidores, RU, o fim das taxas pagas por disciplina, e todas estas conquistas foram fruto mais da articulação e mobilização estudantil que docente. Por que isso? Por que a juventude, sem dúvida, orienta a sua atuação política num sentido muito mais libertário do que aqueles outros sentidos que a corporação universitária tem.

Todavia, o individualismo de viés neoliberal tem dominado, atualmente, o cenário universitário, mitigando a construção coletiva. Boa parte dos alunos e professores de hoje estão cada um no seu canto, fazendo suas pesquisas num horizonte mais de busca individual, querendo ficar grande ou apenas desejando um ponto a mais em seu currículo pessoal, parece que pouco importando os signos do coletivo humano. São coisas que perpassam nosso tempo, criando certa perplexidade; mas que não podemos evitar, simplesmente. Temos que buscar compreender o contexto e, a partir disso, fazer nossas escolhas. Se observarmos bem, não há nenhum momento na história do Brasil em que o viver nacional tenha uma expressão de liberdade pública constitucionalizada como o atual. Porém, isso foi uma conquista e, como tal, não deveria causar acomodação, ou seja, não deveria se perder o enfoque da construção coletiva que significa.

Não seria apropriado dizer que o movimento estudantil está em decadência e que não é mais o que era. Isto significaria ignorar o sentido da História que é construção na direção do novo. O que se faz necessário é a descoberta de seu papel sobre esta nova conjuntura e, evidentemente, uma constante autocrítica da pertinência e legitimidade de suas opções presentes. Os representantes de diretórios acadêmicos devem estar próximos das mentes e corações que representam. Somente assim poderão exercer legitimamente suas funções.

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