domingo, 31 de agosto de 2008

Natureza Jurídica da Interpretação Analógica


Uma interessante discussão doutrinária me chamou atenção nos últimos dias, principalmente por servir de alguma utilidade para o propósito do presente trabalho. É a distinção, na hermenêutica, de analogia e interpretação analógica e a natureza jurídica desta. Porém, diante da diferenciação é necessário discorrer sobre alguns aspectos implícitos dos institutos como a noção de lacuna e também algumas interpretações particulares a cerca dos próprios institutos.

De forma profunda, o glorioso Hans Kelsen traz em seu livro “Teoria Geral do Direito e do Estado” a construção, bastante convincente, de que a idéia das lacunas do direito é uma ficção. Primeiramente, ele destrói a idéia superficial de que a falta de aplicação do Direito seria a prova de sua lacuna, e muito pelo contrário, tal posição estaria a afirmar a completude do direito, pois o juiz aplicaria apenas o direito vigente, completo, uno e coerente. Em segundo lugar, de acordo com essa conclusão, dar-se-ia duas possibilidades logicamente possíveis por parte do juiz: 1) a possibilidade de criar, na condição de legislador, direito novo para o caso concreto; 2) a possibilidade de recusar a ação a pretexto de que o direito vigente não regula tal fato.

A primeira possibilidade do juiz seria plenamente válida, pois a norma superior, criadora de normas gerais, em seu sentido dinâmico, estipularia a competência do juiz para tanto (validade formal, lógica). Respeitada a premissa, o juiz criaria norma individual para o caso concreto. Todavia, malgrado seja a alternativa válida, seria inadequada jurídica e politicamente. Vale lembrar que esta possibilidade é obrigatória no Brasil pelo princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional.

Na verdade toda dessa discussão significaria a admissão por parte do legislador de sua impossibilidade de criar normas gerais para todos os casos (primeiro inconveniente) o que poderia levar a resultados justos ou iníquos. Assim, o que o legislador quereria era evitar decisões injustas e iníquas, transportando assim para o juiz a competência criadora (segundo inconveniente). Ocorre que isso levaria ao arbítrio do juiz na aferição dos casos concretos e na possibilidade de interpretações contra legem. Para evitar os dois inconvenientes cria-se, destarte, a ficção da “lacuna do direito”, onde os juízes só supririam a lacuna do legislador, não podendo o substituir, e não deixando de aplicar o direito, regulado agora a todos os casos, a fim de evitar injustiças. Todavia faz-se a ressalva de que não se sabe o que seria mais injusto para determinados casos: a falta de aplicação, ou a aplicação forçada.

Temos, portanto, uma ficção de que existe uma lacuna na lei (para a imensa maioria dos doutrinadores, ao contrário, a ficção é o ordenamento jurídico não possuir lacuna, porém adoto a posição kelseniana). Existe essa lacuna e ela tem de ser suprida por institutos de integração do direito, dentre eles a analogia.

Eugenio Raúl Zaffaroni também tem um entendimento bastante particular a cerca deste estudo. Agora concernente à analogia em si, como princípio a que se deve ajustar toda interpretação da lei penal. Afirma o autor, que a analogia corretamente analisada, não se trata de princípio obtido dogmaticamente, mas de princípios que são anteriores à aplicação do método e que condicionam o objeto do conhecimento. Ou seja, na interpretação da lei penal sempre deve haver analogia, diferentemente do entendimento majoritário (que a interpreta de outra forma). São palavras do autor, in verbis: “Se não aplicássemos a analogia na lógica jurídica, nosso trabalho seria praticamente irrealizável, porque o pensamento humano recorre iniludivelmente à analogia; a comparação é imprescindível ao raciocínio”.

Convém afirmar, contudo, que a analogia tratada nos manuais e majoritariamente entendida na doutrina é a decorrente da lição clássica de Carlos Maximiliano, aperfeiçoada por outros juristas posteriores.

Já dizia o mestre Carlos Maximiliano, que “a analogia enquadra-se melhor na Aplicação do que na Hermenêutica do Direito”. O escopo de tal instituto não seria o de descobrir/revelar o sentido e alcance das normas positivas, seria, porém, o de suprir as lacunas dos textos legais. A analogia se operaria baseada em uma indução sui generis (indução incompleta), enquanto o intérprete operaria dedutivamente. Já diferenciava também a analogia legis (falta apenas uma disposição ou artigo de lei recorrendo-se, o intérprete, ao que regula um caso semelhante) da analogia júris (não existe nenhum dispositivo aplicável à espécie encontrando-se, o intérprete, em face de direito novo).

Pela finalidade deste texto é de pouca utilidade a última distinção. O que vale é idéia do instituto analogia ser conceituado meio de integrar o direito, o que significa a possível existência de lacunas no ordenamento jurídico que devem ser supridas pela analogia. Entretanto, não é tão simples identificar uma lacuna, pois tal atividade cognitiva varia de intérprete para intérprete segundo sua forma de interpretar e suas convicções.

Aníbal Bruno tem entendimento semelhante, onde afirma que a analogia é um processo que visa a cobrir a lacuna da norma, não pela criação de nova lei, mas pela aplicação de lei que regule casos semelhantes, subindo até os princípios que informam esta lei, para fazer derivar deles a regra aplicável ao caso vertente. Entretanto o uso da analogia não se daria apenas nos casos da aplicação analógica, mas também em casos de interpretação, onde se busca o sentido e o alcance das normas. Esta seria a interpretação analógica.

Neste sentido, a interpretação por analogia se verifica “quando a norma dispõe que o seu preceito, além dos casos especificados, se aplique também a casos semelhantes, usando esta expressão ou expressões equivalentes” (BRUNO, p.136). Assim, consoante se emprega a analogia nestes casos o conteúdo da norma se completa, se estende.

Para o autor e quase a totalidade da doutrina a interpretação analógica é considerada como espécie da interpretação extensiva, tratando-se de uma hipótese em que a própria lei manda que se estenda o seu conteúdo fornecendo o critério para isso. Os resultados seriam os mesmos – A extensão do sentido e alcance da norma.

Neste contexto, percebe-se claramente que a interpretação analógica não tem natureza jurídica de integração/aplicação do direito e sim de interpretação. Mas mais do que isso, a doutrina majoritária entende a inclusão desse meio de interpretação na natureza de interpretação extensiva. Entretanto não seria estranho classificá-la como interpretação sui generis, visto que a sua semelhança é apenas quanto ao resultado, sendo diverso no restante como na origem, nos critérios e nos limites. A origem da interpretação extensiva parte da vontade do intérprete, enquanto na interpretação analógica parte da vontade da lei. Os limites não são identificáveis, porquanto haja a variedade no uso dos meios de interpretação conhecidos (clássicos, filosóficos, constitucionais), enquanto os limites desta são as cláusulas genéricas. Por fim, o critério da primeira é a razoabilidade no uso dos métodos, enquanto o do segundo é deduzido da própria norma.


Antônio Júnior (8º período)

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